ARTIGO
A ARTE DE ENVELHECER
Dráuzio Varella
Achei que estava bem na foto. Magro, olhar vivo,
rindo com os amigos na praia. Quase não havia cabelos brancos entre os poucos
que sobreviviam. Comparada ao homem de hoje, era a fotografia de um jovem.
Tinha cinquenta anos naquela época, entretanto,
idade em que me considerava bem distante da juventude. Se me for dado o
privilégio de chegar aos noventa em pleno domínio da razão, é possível que uma
imagem de agora me cause impressão semelhante.
O envelhecimento é sombra que nos acompanha desde a
concepção: o feto de seis meses é muito mais velho do que o embrião de cinco
dias.
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Lidar com a inexorabilidade desse processo exige
uma habilidade na qual somos inigualáveis: a adaptação. Não há animal capaz de
criar soluções diante da adversidade como nós, de sobreviver em nichos
ecológicos que vão do calor tropical às geleiras do Ártico.
Da mesma forma que ensaiamos os primeiros passos
por imitação, temos que aprender a ser adolescentes, adultos e a ficar cada vez
mais velhos.
A adolescência é um fenômeno moderno. Nossos
ancestrais passavam da infância à vida adulta sem estágios intermediários. Nas
comunidades agrárias, o menino de sete anos trabalhava na roça e as meninas
cuidavam dos afazeres domésticos antes de chegar a essa idade.
A figura do adolescente que mora com os pais até
os 30 anos, sem abrir mão do direito de reclamar da comida à mesa e da
camisa mal passada, surgiu nas sociedades industrializadas depois da Segunda
Guerra Mundial. Bem mais cedo, nossos avós tinham filhos para criar.
A exaltação da juventude como o período áureo da
existência humana é um mito das sociedades ocidentais. Confinar aos jovens a
publicidade dos bens de consumo, exaltar a estética, os costumes e os padrões
de comportamento característicos dessa faixa etária, tem o efeito perverso de
insinuar que o declínio começa assim que essa fase se aproxima do fim.
A ideia de envelhecer aflige mulheres e homens
modernos, muito mais do que afligia nossos antepassados. Sócrates tomou cicuta
aos 70 anos, Cícero foi assassinado aos 63, Matusalém, sabe-se lá quantos anos
teve, mas seus contemporâneos gregos, romanos ou judeus viviam em média 30
anos. No início do século 20, a expectativa de vida ao nascer, nos países da
Europa mais desenvolvida, não passava dos 40 anos.
A mortalidade infantil era altíssima, epidemias de
peste negra, varíola, malária, febre amarela, gripe e tuberculose dizimavam
populações inteiras. Nossos ancestrais viveram num mundo devastado por guerras,
enfermidades infecciosas, escravidão, dores sem analgesia e a onipresença da
mais temível das criaturas. Que sentido haveria em pensar na velhice, quando a
probabilidade de morrer jovem era tão alta? Seria como hoje preocupar-nos com a
vida aos cem anos de idade, que pouquíssimos conhecerão.
Os que estão vivos agora têm boa chance de passar
dos oitenta. Se assim for, é preciso sabedoria para aceitar que nossos
atributos se modificam com o passar dos anos. Que nenhuma cirurgia devolverá,
aos 60, o rosto que tínhamos aos dezoito, mas que envelhecer não é
sinônimo de decadência física para aqueles que se movimentam, não fumam, comem
com parcimônia, exercitam a cognição e continuam atentos às transformações do
mundo.
Considerar a vida um vale de lágrimas no qual
submergimos de corpo e alma ao deixar a juventude, é torná-la experiência
medíocre. Julgar aos 80 anos, que os melhores foram aqueles dos 15 aos 25 é não
levar em conta que a memória é editora autoritária, capaz de suprimir por conta
própria as experiências traumáticas e relegar ao esquecimento as inseguranças,
medos, desilusões afetivas, riscos desnecessários e as burradas que fizemos
nessa época.
Nada mais ofensivo para o velho do que dizer que
ele tem “cabeça de jovem”. É considerá-lo mais inadequado do que o rapaz
de 20 anos que se comporta como criança de dez.
Ainda que maldigamos o envelhecimento, é ele que
nos traz a aceitação das ambiguidades, das diferenças, do contraditório e abre
espaço para uma diversidade de experiências com as quais nem sonhávamos
anteriormente.
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Publicado em 01/02/2016.
Revisado em 11/02/2016.
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